O
estudante filosófico estuda a natureza da matéria e constata que ela é, em
última analise, uma manifestação da Mente. Pela reflexão mentalista percebe que
as diversas explicações evolucionárias da existência universal não são
verdadeiras senão do ponto de vista relativo e todos os elementos, princípios,
energias, substâncias, processos, dos quais, conforme se diz, o universo saiu
em si mesmos. Não são mais que manifestações mentais, que — do mesmo modo que a
água não difere na realidade do oxigênio e do hidrogênio que a compõem, embora
difira totalmente dos seus componentes na aparência, as imagens da terra, da
água, do ar e do fogo não podem ser essencialmente diferentes da Mente donde
provém. Ele se estabelece profundamente na compreensão dessa natureza mental
última e na da unicidade final de todas as coisas, sem permitir que nenhuma
aparência possa deslocá-lo desta posição intelectual. O estudante está imbuído
de que em cada um de seus sopros, em cada um de seus pensamentos, participa com
a Mente-Mundial da construção do universo.
O
exercício místico, no qual se empenha, não é cego. Vai além da idéia — mundo e
absorve. Utiliza a razão para ir além da razão e não se separa prematuramente
dela. Não somente descobre o Pensamento puro, mas medita em sua descoberta.
Quando esvasia a consciência de seu conteúdo, ele o faz de olhos inteiramente
abertos, sem perder de vista que o conteúdo é de algum modo a espuma da
realidade e não difere dela em sua essência. Quando o vazio é preenchido pela
presença do Pensamento puro, ele retorna a esse conteúdo com um sentimento cada
vez menos agudo de ter que atravessar um abismo de diferença, e cada vez experimenta
menos dificuldades para pô-los em relação, em continuidade e harmonia com o que
experimentou nas meditações anteriores. Exercita-se a jogar diretamente com
essa atenção refletida, em sua vida quotidiana, nos pensamentos que sua
consciência forma, em todos os atos executados pelo corpo.
Disciplina
sua consciência de maneira que contenha a idéia-corpo, sem identificar-se com
essa idéia, que funcione pelos cinco sentidos, sem cessar de funcionar na Mente
infinita. Continuando a aliar a reflexão metafísica à contemplação mística, ele
faz surgir em si uma nova faculdade resultante da fusão das duas reflexões, que
não possui nem as limitações do intelecto raciocinador, nem a assimetria da
emoção mística lhe é superior. Este estado misterioso da consciência é chamado
em sânscrito "o de plenitude total" e confere um estado de penetração
muito além do da ioga comum.
Esta
faculdade surge num abrir e fechar de olhos, por assim dizer. A longa e ardente
preparação atinge finalmente uma crise em que se produz um verdadeiro
transtorno na natureza do aspirante. Apesar dessa instantaneidade, a penetração
tem ainda necessidade de tempo para amadurecer. Ela não alcança seu grau mais
alto senão quando se torna natural e contínua. Se se obriga a qualquer esforço,
ela se degrada. Não se consegue esse grau supremo senão no fim de um longo
noviciado.
A
consciência transcendental não se torna permanente senão quando o Real ocupa
sempre o centro da atenção. É o fruto de uma longa e tenaz educação desta para
harmonizar a Mente Imanifestada com suas ideias constantemente cambiantes.
Aquele que consegue chegar a isso é capaz, portanto, não somente de ter uma
percepção verdadeira da realidade mas, ao recebê-la com compreensão, pode
estender esta percepção à sua vida quotidiana. Acaba por persistir nas vinte e
quatro horas do dia e da noite, tornando-se estável e permanente. O treinamento
ultra-místico da via filosófica atinge assim seu coroamento. A atividade do
pensamento que segue não é mais a mesma que a precedente; torna-se iluminada. O
fim último não é, pois, suprimir o pensamento num transe prolongado e
solitário; também não é o de liberar a mente dos pensamentos mas apenas de sua
tirania, e levá-la a compreender a significação verdadeira de suas
manifestações características relativas ao "Eu" e ao mundo, de tornar
o homem consciente, sem esforço, de sua essência mais íntima no curso de sua
existência pessoal. Logo que penetra no quarto estado, o sábio não mais pode
regredir. Dormindo ou desperto, no trabalho ou no repouso, é perpetuamente
dominado por essa transcendência enigmática. O quarto estado, quando plenamente
alcançado, dura durante os três outros. Não desaparece no estado de sono nem no
estado desperto do corpo. Conserva-se sem esforço, no mesmo sentido em que um
homem, no estado desperto, conserva sem esforço sua identidade pessoal.
Nossa
intenção não é subestimar os resultados obtidos pelo místico, mas é preciso
dizer que a penetração adquirida por ele é somente parcial, enquanto que a do
filósofo é perfeita. A Natureza conduz o místico de uma compreensão puramente
emotiva, a uma compreensão calma e inteligente que nunca é refutada quando
recai num plano inferior. Os pensamentos imperceptivelmente cambiantes dos
objetos exteriores e os pensamentos incessantemente cambiantes dos pensamentos
dos objetos, isto é, as coisas e suas imagens, tomam seu nascimento original e
depois morrem ulteriormente nesta essência da Mente, que se conserva nele mesmo
sem forma, sem mutações, sem nunca ser refutado por alguma coisa que nunca foi
produzida nem nunca poderá produzir-se. A despeito das inumeráveis formas sob
as quais a Mente se manifesta, a Mente-essência nunca abandona sua identidade
eterna. Uma ilusão pode ser refutada por uma experiência ulterior, uma
aparência pode ser dissipada por uma pesquisa nova, mas a Realidade nunca pode
ser negada nem a Verdade, reputada. De sorte que o método que permite cultivar
a faculdade mais elevada da mente e dá esta penetração inabalável, traz
tradicionalmente o nome de "ioga do irrefutável". No fundo de todas
as correntes de pensamentos, o filósofo discerne sempre o Pensamento divino.
Sem cair em transe, sem fechar os olhos, sem negar-se a ouvir, sem cruzar as
pernas à maneira dos iogues comuns, conserva a consciência da realidade
material e sem forma. Quando pode ultrapassar a necessidade do transe, atinge a
percepção de que as diferenças entre o Pensamento puro e os pensamentos, isto
é, entre a Mente superior e suas manifestações, não existem senão do ponto de
vista humano e não nas próprias coisas; todas repousam na sublime unidade de
Deus e não são senão uma manifestação ou uma representação da realidade; na
verdade, o mundo inteiro é uma proclamação de Deus. Assim, o estado último para
o qual tende a evolução e para onde marcha o homem é o de um repouso consciente
na Mente, não de uma inação consciente; os sentidos seguem a sua atividade mas
não exercem mais a sua tirania; o ser continua mais liberto do domínio do ser
pessoal; as engrenagens do pensamento giram sempre, mas sem exagero.
Somente
a penetração permite varar a aparência sensorial do mundo e compreender
permanentemente que ele não é radicalmente diferente do próprio Vazio. Eis
porque dos pequenos livros, inspirados e destinados aos aspirantes teosóficos
avançados, contêm certas declarações paradoxais. Um deles — Luz no Caminho, —
baseado numa autoridade do antigo Egito, recomenda no começo "Procura o
Caminho retraindo-te para Interior", e depois. "Procura o Caminho
avançando decididamente para fora". O outro, "A Voz do
Silêncio", fundado numa autoridade tibetana, declara: "tens de
estudar o vazio do aparentemente cheio e o cheio do aparentemente vazio".
O
discípulo chega assim ao ponto culminante de todos esses empreendimentos
ultra-místicos e deve inclinar-se em homenagem não somente ao vazio sagrado,
donde decorrem todas as coisas, não somente diante das trevas santas que são a
fonte de toda a luz, mas também ante o mundo visível que tem sua fonte secreta
e inefável em Deus, diante das atividades incessantes que constituem a história
sem começo nem fim deste maravilhoso universo. Os homens se maravilham de tudo
quanto a ciência descobre de novo no mundo, sem compreender que a maior
maravilha é a própria existência deste mundo.
Aquele
que chega a compreender que cada átomo da terra cintila misticamente na vida
universal que encerra tudo e que não existe ponto algum em que a Existência
Única esteja ausente, compreenderá também que a aventura humana é tão sagrada
como qualquer outra coisa. Compreenderá igualmente que a existência quotidiana
do homem é em si tão misteriosa, tão milagrosa quanto a existência invisível e
inefável de qualquer arcanjo imaginável. O conceito dessa penetração
transcendental, para aqueles que compreenderam sua significação, deve
necessariamente ser o mais prodigioso que tenha brotado na mente humana. E no
entanto, essa sabedoria suprema, essa penetração completa do caráter
fundamental de toda a existência, não é mais nem menos que a inteligência do
homem levada ao seu grau superior.
Paul Brunton
http://pereneconsciencia.blogspot.com.br
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