“Se toda a literatura
espiritual da Humanidade perecesse, e só se salvasse o Sermão da Montanha, nada
estaria perdido”. (Mahatma Gandhi)
Bem-aventurados os
humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus!
Bem-aventurados os
que choram, porque serão consolados!
Bem-aventurados os
mansos, porque possuirão a terra!
Bem-aventurados os
que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!
Bem-aventurados os
misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!
Bem-aventurados os
puros de coração, porque verão Deus!
Bem-aventurados os
pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!
Bem-aventurados os
que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus!
Bem-aventurados
sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo
o mal contra vós por causa de Mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a
vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes
de vós.
(Mateus, 5:3-12)
O SERMÃO DA MONTANHA
por Huberto Rohden
Parte1
“Bem-Aventurados os Pobres Pelo
Espírito!”
“Poucas palavras do Evangelho
sofreram, através dos séculos, tão grande adulteração e ludíbrio tamanho como
estas. Escritores e oradores de fama mundial, e até ministros do Evangelho,
aderem à blasfêmia de que o Nazareno tenha proclamado bem-aventurados e cidadãos
do reino dos céus os “pobres de espírito”, isto é, os apoucados de
inteligência, os idiotas e imbecis, os mentalmente medíocres.
"Se assim fosse, o próprio
Nazareno, riquíssimo de espírito, não faria parte dos bem-aventurados e
possuidores do reino dos céus.
“Jesus proclama bem-aventurados,
todos aqueles que são pobres, ou desapegados, dos bens terrenos...
"O verdadeiro abandono
decorre da libertação interna. A questão é possuir sem ser possuido, pois todo
possuído é escravo.
“...Ser rico ou ser pobre são
coisas que nos acontecem, de fora — mas a arte de saber ser rico ou de ser
pobre, é algo que nós produzimos, de dentro. O que nos faz bons ou maus não é
aquilo que nos acontece, mas sim o que nós mesmos fazemos e somos.
“Ser rico não é pecado — ser
pobre não é virtude. Virtude ou pecado é saber ou não saber ser rico ou pobre.
“...Bem-aventurados os pobres
pelo espírito, os que, pela força do espírito, se emanciparam da escravidão da
matéria. Deles é o reino dos céus, que está dentro do homem e esse leva consigo
o reino da sua felicidade aonde quer que vá...”
Parte 2
“Bem-Aventurados os Puros de
Coração”
“Puro de coração é aquele que se
libertou, não só dos objetos externos, mas, também, do sujeito interno, isto é,
daquilo que ele idolatrava como sendo o seu sujeito, o seu eu, embora fosse
apenas o seu pseudo-eu, o seu pequeno ego físico-mental.
“De maneira que ser puro de
coração é ainda mais glorioso do que ser pobre pelo espírito; ser interiormente
livre da obsessão do ego vivo é mais do que ser livre da escravidão da matéria
morta.
“...Enquanto o pequeno eu não
tiver em si suficiente segurança interna, necessita de buscar seguranças em
fatores externos; mas a segurança interna torna supérflua as seguranças
externas; o pequeno eu fez tantos ‘seguros de vida’ porque não possui
segurança. Age sob o impulso da lei da compensação.
“...Ninguém pode ver claramente o
Deus transcendente do universo de fora antes de ver nitidamente o Deus imanente
do universo de dentro.
“Nas letras sacras — como também
nos escritos de Mahatma Gandhi — “impureza” quer dizer egoísmo, e “pureza”
significa o oposto, que é o amor universal a solidariedade cósmica.
“Enquanto o homem não ultrapassar
as estreitas barreiras do seu ego personal, está com os olhos vendados,
separados de Deus por uma camada impermeável à luz, que é a impureza do
coração. Por mais que um ególatra ouça falar em Deus, nada compreende, porque
compreender supõe ser. Ninguém pode compreender senão aquilo que ele vive ou é
no seu íntimo ser. Entender é um ato mental, mas compreender é uma atitude
vital; entender mentalmente é uma função parcial, unilateral do nosso ego
humano — compreender é uma vivência total, unilateral, do nosso Eu divino. Quem
não é divino não pode saber o que é Deus. O egoísta é antidivino, e por isso
não pode compreender o que é divino, não pode ver a Deus, antes de adquirir
“pureza de coração”.
“Ver a Deus” “ver o reino de
Deus”, são expressões típicas que Jesus usa para designar a experiência direta
da Realidade eterna, o contato íntimo com ela. Outros crêem em Deus — mas só o
puro de coração vê a Deus. O simples crer, embora necessário como estágio
preliminar, não é suficiente para a definitiva redenção do homem, que consiste
na vidência ou visão de Deus."
*
“Se é difícil a “pobreza pelo espírito”,
muito mais difícil é a “pureza do coração”. O desapego dos bens externos é o
abandono de algo que não fez, nem jamais poderá fazer parte integrante do homem
algo que nunca foi nem pode ser realmente “seu” - ao passo que o ego personal
faz parte integrante do homem, é “seu”, embora não seja ele mesmo; e por isso a
renúncia à sua personalidade físico-mental em prol da sua individualidade
espiritual é, incomparavelmente, mais difícil do que a renúncia à cobiça dos
bens externos. Parece ser uma morte para o homem que ainda não descobriu o seu
eterno Eu. Mas essa morte é indispensável para a ressurreição. A coragem de
arriscar ou não arriscar esse salto mortal do ego humano para o Eu divino é que
divide a humanidade em dois campos: em profanos e iniciados, nos de fora e nos
de dentro, em cegos e videntes, em inexperientes e experientes, em insipientes
e em sapientes. É necessário que o homem sofra tudo isso para, assim, entrar em
sua glória..."
“O despertar dessa nova vidência,
que existe, dormente, em cada um de nós, requer exercício intenso, assíduo e
prolongado, porque o homem tem de superar barreiras já estabilizadas há séculos
e milênios...
“Esse exercício diário é vital
consiste, principalmente, em uma permanente atitude interna de querer servir,
servir espontânea e gratuitamente a todos. Esse clima de querer servir,
espontânea e gratuitamente, remove os obstáculos que existem entre nós e o Todo
(Deus), porque diminui gradualmente o egoísmo unilateral e exclusivista e
aumenta a solidariedade inclusivista, que uns chamam altruísmo, outros amor,
outros ainda benevolência universal. Com essas práticas diárias, a muralha
opaca que se ergue entre nós e Deus se torna cada vez mais transparente,
permitindo-nos a visão da grande Luz.”
Parte 3
“Bem-Aventurados os
Mansos..."
“O homem que encontrou o seu Eu
divino é necessariamente manso.
“Todos os seres que não atingiram
a consciência espiritual recorrem à violência para conseguirem os seus fins. Os
irracionais só conhecem violência material. O homem, depois de
intelectualizado, descobriu outro tipo de violência muito mais eficiente, que
é a violência mental... são certos argumentos analíticos de que a inteligência
se serve para conseguir os seus fins próprios da personalidade do ego.
“Quando o homem descobre em si as
potências divinas, desiste definitivamente de toda e qualquer espécie de
violência física e mental. Não mais confia em máquinas e aparelhos materiais
manobrados pela força do intelecto, nem recorre às energias do mundo astral
para conseguir efeitos de magia mental a atuarem sobre o mundo visível.
“O homem auto-realizado descobriu
a essência de si mesmo e de todas as coisas, essência essa que é imaterial, e
por isso não mais o interessam as aparências periféricas, que os profanos
consideram realidades.
“Por isto, não há para o homem
manso de coração motivo algum para recorrer à fraqueza da violência brutal,
quando ele possui a força da suavidade e benevolência espiritual."
*
“O que, à primeira vista, causa
estranheza nessa bem-aventurança é a promessa de que os mansos possuirão (ou
herdarão) a “terra”... A humanidade imperfeita que agora habita esta terra com
suas vibrações baixas e pesadas terá de passar por muitos estágios de
evolução, em outros mundos, outros planetas ou nos espaços intersiderais, e,
após longos milênios de experiências e sofrimentos, voltará ela, purificada e
com outras vibrações, a habitar esta terra, transformada em um habitáculo de
seres puros. Esses homens puros serão “mansos”, isto é, não violentos; nada
farão por meio de força bruta, tudo farão com força espiritual. O espírito da
força será substituído pela força do espírito
“Violenta non durante*, diziam os
antigos pensadores romanos; as coisas violentas não duram — as coisas suaves
têm duração garantida, embora a sua atuação inicial seja, quase sempre, lenta e
quase imperceptível. Uma bomba atômica destrói uma cidade inteira em poucos
segundos, ao passo que uma semente viva leva séculos inteiros para construir
uma árvore no seio da floresta. Aqui, a força suave da vida — acolá a força
brutal da morte.
“Amar incondicionalmente, é o
caminho mais curto e rápido às alturas da compreensão integral e universal.”
Parte4
"Bem-Aventurados os
Misericordiosos”
“Misericordioso é aquele que tem
coração para os míseros; aquele que compreende e ama os fracos, os ignorantes,
os doentes, todos os necessitados de corpo, mente e alma, e procura
aliviar-lhes os sofrimentos.
“O homem meramente profano é
ruidosamente , o homem místico é silenciosamente solitário. Mas o homem
plenamente crístico é dinamicamente solidário.
“Essa solidariedade dinâmica do
homem cristificado não exclui, mas inclui a solidão espiritual do místico. O
homem crístico é, por dentro, unicamente de Deus, e, por fora, de todas as
creaturas de Deus.
“Quanto mais o homem dá, na
horizontal, tanto mais recebe, na vertical. Existe uma lei cósmica que produz
infalívelmente o enriquecimento do homem que em si mantém, permanentemente, uma
atitude doadora, que está sempre disposto a dar do que tem e a dar o que é,
isto é, ajudar a seus semelhantes com os objetos que possui e com o amor do
próprio sujeito que ele é. Não basta “fazer o bem” (dar objetos) — é necessário
também “ser bom” (dar o sujeito).
“Pode alguém fazer o bem sem ser
bom, porque esse ‘bem” é apenas um objeto — mas ninguém pode ser bom sem fazer
o bem, porque esse “ser bom” é o próprio sujeito, que, como o próprio vocábulo
diz, “subjaz” (jaz por debaixo) como causa a todos os efeitos, que “objazem”
(jazem defronte ou de fora). Não são os efeitos que produzem a causa, mas é a
causa que produz os efeitos; não são os objetos, o “fazer bem”, que produzem o
sujeito, o “ser bom”, mas sim vice-versa, o “ser bom” produz o “fazer bem”.
“Por isso, os misericordiosos que
Jesus proclama bem-aventurados não são apenas pessoas eticamente boas,
fazedoras do bem — mas são pessoas misticamente perfeitas, experientes de Deus,
e, por isto, essencialmente boas.
“Esses homens essencialmente
perfeitos pelo imediato contato com Deus são, também, existencialmente bons
pela solidariedade com todas as creaturas de Deus. Quem viveu misticamente o
Deus do mundo, vive eticamente com todo o mundo de Deus, porquanto a profunda
vertical da mística produz necessariamente a vasta horizontal da ética — é esta
a grandiosa matemática cósmica da Verdade Libertadora.
“Conhecereis a Verdade e a
Verdade vos libertará.” Esses misericordiosos receberão misericórdia, não dos
homens, mas de Deus. A misericórdia que eles fazem a seus semelhantes não é
causa, mas condição para que recebam misericórdia de Deus, porque ninguém pode
merecer causalmente uma dádiva divina; tudo que é espiritual e divino é
essencialmente gratuito, é de graça, porque é graça; é, todavia, necessário
que o homem crie dentro de si o clima propício para que essa dádiva gratuita
lhe possa ser concedida; esse clima propício, ou essa receptividade, é que é a
condição, que em hipótese alguma é causa.
Quem espera recompensa,
pagamento, pelos benefícios que presta à humanidade é egoísta, mercenário,
ainda que essa recompensa consista apenas no desejo de reconhecimento ou
gratidão da parte de seus beneficiados. Esse desejo não deixa de ser egoísta e
mercenário e tolhe ao homem a “gloriosa liberdade dos filhos de Deus”,
tornando-o escravo e prisioneiro de uma prisão muito perigosa, porque sumamente
sutil e, aparentemente, justificada, como é o desejo de gratidão. O
beneficiado, é certo, tem a obrigação de ser grato, mas o benfeitor não tem o
direito de esperar gratidão. Com esse desejo, por mais secreto e bem camuflado,
ele inutilizaria a sua ação e tolheria a si mesmo a liberdade.
“O homem crístico está liberto de
qualquer espírito mercenário; trabalha inteiramente de graça, nem espera
resultado algum externo de seus trabalhos. Trabalha por amor à sua grande
missão, pois sabe que é embaixador plenipotenciário de Deus aqui na terra e em
outros mundos. E é por isso, que ele trabalha com o máximo de perfeição e
alegria em tudo, tanto nas coisas grandes como nas coisas pequenas. Nunca trabalha
para ter público que o aplauda. Por isso, não o exaltam louvores, nem o
deprimem censuras; é indiferente a vivas e a vaias, a aplausos e a apupos, a
benquerenças e malquerenças, porque se libertou definitivamente de todas as
escravidões do homem profano, do “homem velho”, e se revestiu da leve e
luminosa vestimenta do “homem novo” liberto pela Verdade.
“Esse homem vive permanentemente
na atmosfera serena e sorridente da “gloriosa liberdade dos filhos de Deus”,
cujo diploma crístico vem resumido nas seguintes palavras: “Quando tiverdes
feito tudo o que devíeis fazer, dizei: “Somos servos inúteis, cumprimos apenas
a nossa obrigação, nenhuma recompensa merecemos por isto”...
“São estes os misericordiosos que
alcançarão misericórdia — esses bem-aventurados...”
Parte 5
“Bem-Aventurados os que Têm Fome
e Sede da Justiça”
“Esta bem-aventurança visa,
sobretudo, os insatisfeitos, os descontentes consigo mesmos, os que sofrem o
tormento do Infinito, a nostalgia do Eterno, os que vivem ou agonizam em uma
estranha inquietude metafísica, os que crêem mais no muito que ignoram do que
no pouco que sabem.”
*
“Antes de tudo convém esclarecer
o que aqui se entende pela palavra “justiça”. Esta palavra, toda vez que ocorre
nas sagradas Escrituras, significa a relação ou atitude justa e reta que o
homem assume em face de Deus. Não se refere à justiça no sentido jurídico, do
plano horizontal, como é usada na vida social de cada dia. Justiça é, pois, a
compreensão intuitiva de Deus (a mística) e o seu natural transbordamento na
vida cotidiana (a ética).
“Jesus proclama felizes os que
têm fome e sede dessa experiência íntima, os que estão insatisfeitos com o
pouco ou muito que alcançaram no caminho árduo da sua cristificação. Sabem que
estrada imensa lhes resta ainda a percorrer; mas sabem que é glorioso
continuarem a andar rumo a seu grande destino. São como aves migratórias que, à
aproximação do outono, percebem em si o tropismo de regiões distantes, nunca
vistas, onde a luz e o calor, já em declínio na zona do seu habitat, se acham
em plena ascensão. Daí o misterioso magnetismo que as atrai para regiões
longínquas.
“Para que o homem sinta em si
essa espécie de nostalgia metafísica, deve ele ter ultrapassado certas
fronteiras de vivência comum; deve sentir certo cansaço — ia quase dizendo
pessimismo — da vida terrestre, deve sentir, com maior ou menor intensidade e
nitidez, o anseio de algo que nunca viu, mas de cuja existência tem intuitiva
certeza. O homem que ainda vive totalmente engolfado nos afazeres da lufa-lufa
comum dos profanos, caçadores de matéria morta e carne viva , esse não está
maduro para ter fome e sede de um mundo invisível. Antes de sentir essa fome,
terá de experimentar o fastio daquilo de que agora tem fome. “Quem bebe desta
água (das coisas materiais) torna a ter sede (das mesmas); mas quem beber da
água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede (das coisas materiais)” porque
esta água se lhe tornará em uma fonte que jorra para a vida eterna.
“Sendo que as coisas materiais
não apagam o desejo; pelo contrário, quanto mais gozadas tanto mais acendem o
desejo, porque a posse aumenta o desejo, e o desejo exige novas posses — os
profanos têm de intensificar cada vez mais os estímulos para sentirem ainda
novos gozos; e, não raro, procuram narcotizar-se com os pequenos finitos de
cada dia para não sofrerem a insatisfação de que estas coisas não podem dar
definitiva satisfação. Em vez de ultrapassarem a barreira das quantidades e
entrarem na zona da qualidade, tentam aumentar as quantidades - assim como quem
bebe água salgada para apagar a sede, acendendo-a cada vez mais.”
*
“O divino Mestre proclama felizes
os que sofrem essa fome e sede da experiência de Deus, porque eles serão
“saciados”.
“É certo que, um dia, em outros
mundos, essa nostalgia será satisfeita, porque a natureza não engana seus
filhos, impelindo-os a um alvo fictício. Se existem terras tropicais
adivinhadas pelas aves migratórias das zonas frias, não pode deixar de existir
aquele mundo que os anseios metafísicos dos melhores dentre os filhos dos
homens sentem nas profundezas da alma.
“Ainda que o finito em demanda do
Infinito tenha sempre diante de si itinerário ilimitado, e jamais chegará a um
ponto onde lhe seja vedado progredir ulteriormente — porque não há “luz
vermelha” nos caminhos de Deus — é certo que o humano viajor chegará a um ponto
em que a sua compreensão e amor de Deus o tornará profundamente feliz.”
Parte 6
“Bem-Aventurados os
Pacificadores”
“A palavra latina pacificare, da
qual é derivada pacificus, é composta de dois radicais (e o mesmo acontece em
grego): pax e facere, isto é, “paz” e “fazer”. Pacificador (em latim:
pacificus) é, pois, aquele que faz a paz, é um “fazedor de paz”, um homem que
possui em si a força creadora de estabelecer ou restabelecer um estado ou uma
atitude permanente de paz no meio de qualquer campo de batalha.
“A tradução “pacíficos”, em vez
de “pacificadores”, que se encontra em muitas versões portuguesas, não
corresponde ao sentido do original grego eirenopoíí, nem ao latim pac~fici,
porque ambos significam um processo ativo e dinâmico, e não apenas um estado
passivo de paz.
“Quem é, pois, verdadeiro
pacificador?
“Não é, em primeiro lugar, aquele
que restabelece a paz entre pessoas ou grupos litigantes, mas sim aquele que
estabelece e estabiliza a paz dentro de si mesmo. Aliás, ninguém pode ser
verdadeiro pacificador de outros se não for pacificador de si mesmo. Só um
autopacificador é que pode ser um alo-pacificador. A pior das discórdias, a
mais trágica das guerras é o conflito que o homem traz dentro de si mesmo o
conflito entre o ego físico-mental da sua humana personalidade e o Eu
espiritual da sua divina individualidade. Se não houvesse conflito interior,
entre o seu Lúcifer e o seu Lógos, não haveria conflitos exteriores na família,
na sociedade, nas nações, entre povos. Todos os conflitos externos são filhos
de algum conflito interno não devidamente pacificado. Por isso, é absurdo
querer abolir as guerras ou revoluções de fora, as discórdias domésticas no lar
ou no campo de batalha, enquanto o homem não abolir primeiro o conflito dentro
da sua própria pessoa.
“O grande tratado de paz tem de
ser assinado no foro interno do Eu individual antes de poder ser ratificado no
foro externo das relações sociais. Nunca haverá Nações Unidas, nunca haverá
sociedade ou família unida enquanto não houver indivíduo unido. Pode, quando
muito, haver um precário armistício (que quer dizer “repouso de armas”), mas
não uma paz sólida e duradoura enquanto o indivíduo estiver em guerra consigo
mesmo. Que é um armistício se não uma trégua, maior ou menor, entre duas
guerras? Paz social, segura e estável, supõe paz individual, firme e sólida.”
*
“Quando o homem é mau e desabrido
com os outros é porque não tem paz interior e sente a necessidade de
descarregar o excesso da sua infelicidade — “nervosismo”, na linguagem
eufemística de cada dia — em alguém ou em alguma coisa, e os objetos mais
próximos servem de para-raios para essa tensão do homem infeliz. Propriamente,
deveria esse homem ser áspero consigo mesmo, o principal culpado; mas, como o
egoísmo não lhe permite semelhante sinceridade, são os inocentes ou os menos
culpados não raro, até coisas e animais domésticos alvo dessa irritação do
homem intimamente desarmonizado consigo mesmo.
“Quando o homem tolera a si
mesmo, graças a uma profunda paz de consciência, todas as coisas e pessoas do
mundo são toleráveis; mas, quando o homem, de consciência insatisfeita, não se
tolera a si mesmo, nada lhe é tolerável.
“O remédio não está em mudar os
objetos, mas em corrigir o sujeito. Isto, porém, supõe uma sinceridade muito
difícil e rara."
*
“A paz é, pois, um atributo do
ser, é algo qualitativo, algo que tem afinidade com o EU SOU do homem. O homem
que tem plena consciência do seu divino EU SOU não tem motivo para brigar ou
declarar guerra a alguém por causa dos teres, que desunem os homens profanos.
Mesmo que os outros o tratem com injustiça por causa dos teres, o homem
espiritual sabe que todo esse mundo quantitativo do ter é pura ilusão: ninguém
pode ter algo que ele não é, só o nosso ser é realmente nosso.
“Por isso, o homem que chegou ao
conhecimento de si mesmo é invulnerável; ninguém pode prejudicá-lo, ninguém
pode ofendê-lo, ninguém pode empobrecê-lo, ninguém lhe pode infligir perda de
espécie alguma, uma vez que ninguém pode obrigá-lo a perder o que ele é, e
aquilo que ele tem não o enriquece nem a sua perda o empobrece.
“A paz nasce, portanto, de uma
profunda sabedoria, do conhecimento da verdade sobre si mesmo. Quem conhece
essa verdade é livre de todo o ódio, tristeza, rancor, senso de perda e
frustração.”
*
“Uma pessoa profundamente
harmonizada em si mesma irradia harmonia ao redor de si e satura dessa
imponderável e benéfica radiação, todas as coisas.
“As suas auras benéficas envolvem
tudo em um halo de serenidade e bem-estar, de fascinante leveza e luminosidade,
que atuam, imperceptível, porém, seguramente, sobre outras pessoas receptivas.
“O homem que estabeleceu a paz de
Deus em sua alma é um poderoso fator para restabelecer a paz em outros
indivíduos, e, através destes, na sociedade. Não é necessário que fale muito em
paz, que aduza eruditos argumentos propace — basta que ele mesmo seja uma fonte
abundante e um veemente foco de paz.
“O filósofo místico norte-americano
Émerson disse, certa vez, a um homem que falava muito em paz, mas não possuía
paz dentro de si: “Não posso ouvir o que dizes, porque aquilo que és troveja
muito alto.”
“Quem não é pacificado dentro de
si mesmo, não pode ser pacificador fora de si.”
Parte 7
“Bem-Aventurados os Tristes”
“... pode haver uma
tristeza-atitude e uma alegria-atitude — como também pode haver uma
tristeza-ato e uma alegria-ato. Pode alguém ser triste e estar alegre — como
também pode ser alegre e estar triste, o que é decisivo é a atitude interna,
permanente, negativa ou positiva. E essa atitude radica, em última análise, em
um profundo substrato metafísico, a VERDADE, ou então o seu contrário. Quem tem
a consciência reta e sincera de estar na Verdade é profundamente alegre, calmo,
feliz, embora externamente lhe aconteçam coisas que o entristeçam — e quem , no
íntimo da sua consciência, sabe que não está na Verdade é profundamente
triste, ainda que externamente se distraia com toda a espécie de alegrias.
“Quanto mais triste o homem é
internamente, pela ausência de harmonia espiritual, tanto mais necessita ele de
alegrias externas, geralmente ruidosas e violentas. Esse homem não tolera a
solidão, que lhe traz consciência mais nítida da sua vacuidade ou desarmonia
interior; por isso, evita quanto possível estar a sós consigo; procura
companhia por toda a parte, e, quando não a pode ter em forma de pessoas,
canaliza para dentro da sua insuportável solidão parte dos ruídos da rua, por
meio do jornal, do rádio, da televisão. Alguns vão mais longe e recorrem a
entorpecentes — maconha, cocaína, morfina, etc., para camuflarem, por algum
tempo, a sensação da sua triste solidão.
“Quem teme a concentração
necessita de toda a espécie de distrações para poder suportar a si mesmo. E, como
essas distrações e prazeres, pouco a pouco, calejam a sensibilidade, necessita
esse homem de intensificar progressivamente os seus estimulantes artificiais
para que ainda produzam efeito sobre seus nervos cada vez mais embotados. Por
fim, nem já os mais violentos estimulantes lhe causam mossa e então esse homem
chega, não raro, a tal grau de tristeza, no meio de suas “alegrias” que põe
termo à sua tragédia por meio do suicídio. Outros acabam no manicômio. É que
nenhum homem pode viver sem uma certa dose de alegria.
“Enquanto o homem não descobrir a
bela tristeza da vida espiritual, tem de iludir a sua fome e sede de felicidade
com essas horrorosas alegrias da vida material. Essas alegrias externas, porém,
têm sobre ele o efeito da água do mar, que tanto maior sede dá quanto mais dela
se bebe.”
*
“O homem cuja felicidade nasceu
da verdade é calmo e sereno em todas as vicissitudes da vida, porque sabe que
não precisaria mudar de direção fundamental se a morte o surpreendesse nesse
instante. Perguntaram ao jovem estudante João Berchmans, que estava jogando
bola, o que faria se soubesse que, daí a cinco minutos, tivesse de morrer;
respondeu calmamente: “Continuaria a jogar.” Assim só pode falar quem tem plena
certeza de que está no caminho certo, em linha reta ao seu destino, embora
distante da meta final.
“Ora, esse caminho não pode
deixar de ser estreito e árduo, uma espécie de tristeza, como é toda a
disciplina; mas no fundo dessa tristeza externa dormita uma grande alegria
interior. É, todavia, uma alegria anônima, silenciosa, imponderável, como costumam
ser os grandes abismos e as grandes alturas. Aos olhos dos profanos, leva o
homem espiritual uma vida tristonha e descolorida; o seu ambiente parece
monótono e cor de cinza como um vasto deserto. E talvez não seja possível dar
ao profano uma idéia da profunda alegria e felicidade que o homem espiritual
goza, porque esta felicidade jaz numa outra dimensão totalmente ignorada pelo
profano. O homem habituado a certo grau de espiritualidade tem uma imensa
vantagem sobre o homem não-espiritual; não necessita de estímulos violentos
para sentir alegria, porque a sua alegria não vem de fora, e sim de dentro.
Basta-lhe uma florzinha à beira da estrada; basta o sorriso de uma criança
caminho à escola; basta o tanger de um sino ao longe; basta o cintilar de uma
estrela através da escuridão — tudo enche de alegria, suave e pura, a alma
desse homem, porque ela está afinada pelas vibrações delicadas que vêm das
luminosas alturas de Deus. E as fontes da sua alegria brotam por toda a parte;
nem é necessário que saia de casa para encontrar motivos de alegria, porque a
sua alegria é de qualidade, que não está sujeita às categorias de tempo e
espaço, como as alegrias ruidosas e grosseiras dos profanos. Um único grau de
alegria-qualidade dá maior felicidade do que cem graus de alegria-quantidade.
“Por isso a vida do homem
espiritual é uma bela tristeza, ao passo que a vida do homem profano é uma
pavorosa alegria. Mas o homem espiritual prefere a sua bela tristeza à pavorosa
alegria do profano, que ele compreende perfeitamente, porque também ele já
passou por esse estágio infeliz — ao passo que o profano não compreende a
felicidade anônima do iniciado, porque nunca passou por essa experiência.”
*
“Geralmente, os homens mais
felizes são ignorados pela humanidade que escreve e lê livros e jornais, que
fala do alto dos púlpitos e das tribunas, que perde tempo com rádio e televisão
ou procura salvar o gênero humano pela política, Os milionários da felicidade
são, quase sempre, os grandes anônimos da história, os “não-existentes”. Os
poucos homens que aparecem em público são raras exceções da regra. O grande
exército dos “bem-aventurados” não aparece em catálogos e cadastros
estatísticos. São os irmãos anônimos da “fraternidade branca” que estão
presentes em toda a parte onde haja serviços a prestar, mas ninguém lhes
percebe a presença, porque sempre desaparecem por detrás das suas obras. Os
muitos e os ruidosos que se servem das suas obras como de fogo de artifício e
deslumbramento pirotécnico para iluminar a sua personalidade não fazem parte da
“fraternidade branca”, porque não se eclipsaram no anonimato da benevolência
universal.
“Os verdadeiros redentores da
humanidade são tão felizes no cumprimento da sua missão que nunca esperam pelos
aplausos de platéias, mas desaparecem por detrás dos bastidores do
esquecimento, no mesmo tempo em que terminam a sua tarefa. São igualmente
indiferentes a vivas como a vaias, a aplausos como a apupos, a louvores como a
vitupérios, porque eles vivem no mundo da silenciosa e profunda verticalidade invisível,
incompreendidos pelos habitantes da ruidosa horizontalidade visível.
“Bem-aventurados os que estão
tristes — porque eles serão consolados.”
Parte 8
“Bem-Aventurados os que Sofrem
Perseguição por Causa da Justiça”
“Justiça” significa a atitude justa
e reta do homem para com Deus. O homem “justo”, nos livros sacros, é o homem
santo, o homem crístico, o homem que realizou em alto grau o seu Eu divino pela
experiência mística manifestada na ética. O homem “justo” é o homem que se
guia, invariavelmente, pelos dois grandes mandamentos, o amor de Deus e a
caridade do próximo.
“Mas, será possível que alguém
sofra perseguição por causa dessa justiça, por causa da sua santidade?
“O Evangelho de Jesus está
repleto de afirmações dessa natureza, e a experiência multissecular o con
firma. “Por causa do meu nome sereis odiados de todos, e chegará a hora em que
todo aquele que vos matar julgará prestar um serviço a Deus. “Arrastar- vos-ão
perante reis e governadores e sinagogas; mas não vos perturbeis! Porque o servo
não está acima de seu senhor; se a mim perseguiram também vos hão de perseguir
a vós. “Os inimigos do homem são os seus companheiros de casa.”
“Estamos habituados a pensar e a
dizer que esses perseguidores dos justos são homens maus, perversos, de má-fé;
e, de fato, assim acontece muitas vezes. Entretanto, as mais cruéis
perseguições que a história humana conhece foram perpetradas por homens
sinceros e subjetivamente bons, em nome da verdade e do bem, em nome de Deus e
do Cristo. Sobretudo as igrejas e sociedades religiosas organi zadas têm
empreendido, e empreendem ainda, cruzadas e “guerras santas”, trucidando
infiéis, queimando hereges, torturando homens de elevada espirituali dade,
excomungando como apóstatas e perversos muitos dos homens mais puros e santos
que o mundo conhece. A maior parte desses perseguidores não tem má intenção nem
consciência pecadora; agem por um sentimento de dever.
“Há duas razões fundamentais por
que o homem justo é perseguido por outros homens individuais ou por sociedades
humanas.
“1 — Um indivíduo persegue outro
indivíduo, não só porque este seja mau, mas, também, pelo fato de ser bom.
“Por quê?
“Porque o homem justo aparece
como elemento hostil a outro homem menos justo. A simples presença de um homem
mais santo do que eu é, para mim, uma declaração de guerra, ou, pelo menos, uma
permanente ofensa. O homem espiritual, pelo simples fato de existir, diz
silenciosamente a outros: “Vós devíeis ser como eu, mas não sois, e isto é
culpa vossa”. Nenhum homem espiritual, é claro, diz isto; mas os profanos
interpretam deste modo a presença do homem justo, e atribuem a este a ingrata
censura. Ora, ninguém tolera, por largo tempo, a consciência da sua
inferioridade. Enquanto não aparece outro homem de elevada espiritualidade,
pode o homem menos espiritual viver tranqüilo na sua inferiorida de, porque
esta não é nitidamente percebida senão quando polarizada pelo contrário ou por
uma espiritualidade superior. Quando o homem pouco espiritual encontra outro
ainda menos espiritual, sente-se ele relativamente seguro do seu plano, e tem
mesmo a tendência instintiva de fechar os olhos para as virtudes do outro, a
fim de poder brilhar mais intensamente, ele só, como aquele fariseu, no templo
em face do publicano. E que o homem profano mede o seu valor pelo relativo
desvalor dos outros. Quando então a sua luz é, ou parece ser, mais forte que as
luzes dos outros, o homem profano ou de escassa espiritualidade experimenta um
senso de segurança e tranqüilidade; não tem remorsos da sua pouca espiritualidade
nem se julga obrigado a um esforço especial para subir. Entre cegos, diz o
provérbio, quem tem um olho é rei.
“Mas ai desse homem
complacentemente satisfeito consigo mesmo, se lhe aparecer alguém de maior
espiritualidade! Logo começa ele a sentir-se inseguro e inquieto. Em face dessa
inquietação, duas atitudes seriam possíveis: a) o vivo desejo de ser tão
espiritual como o outro e o esforço correspondente a esse desejo; b) uma
atitude de despeito e agressividade.
“A primeira atitude é a dos
homens humildes e sinceros; a segunda é a dos homens orgulhosos e insinceros
consigo mesmos. Os primeiros se tornam discípulos do homem espiritual, os
últimos se tornam seus adversários.
“É doloroso para um pigmeu ver-se
eclipsado por um gigante. É desagradável para um impuro ter a seu lado um homem
puro. Se o pigmeu não sente em si a capacidade de crescer; se o impuro não
dispõe da força de se tornar puro, declarará guerra ao gigante e ao puro.”
“2 — No terreno social das
organizações eclesi ásticas acresce ao primeiro, outro fator, aparentemente
mais justificável: o homem altamente espiritualizado é sempre uma espécie de
exceção da regra, é um pioneiro que abandonou as velhas estradas conhecidas e
batidas pela turbamulta dos crentes e rasga caminhos novos, “por mares nunca
dantes navegados”, por ignotas florestas, por ínvios desertos que poucos
conhecem. Esse homem ultrapassa, quase sempre, os caminhos tradicionais do
passado, e até do presente, e abre novas rotas para o futuro. Toda e qualquer
inovação, por mais verdadeira, é, no principio, considerada como erro, e até
como perigo social.
“De maneira que o fator “massa” e
o fator “tradição” nos dão uma espécie de segurança e firmeza, no meio da
insegurança e incerteza que, naturalmente, experimentamos por entre as trevas
ou penumbras da vida espiritual. E isto nos faz bem.
“Por isso , as sociedades
religiosas organizadas, que contam sempre com o fator massa e tradição, dão
grito de alerta e de alarme, e previnem seus filhos contra o perigoso inovador,
o herege, o demo lidor, o apóstata. Quando as sociedades religiosas possuem
suficiente poder físico, eliminam do número dos vivos o perigoso demolidor das
tradições, e isto “pela maior glória de Deus e salvação das almas”. Quando não
possuem esse poder, procuram neutra lizar a ação do herege matando-o
moralmente, isolando-o por meio de campanhas sistemáticas de difamação e
calúnia. E como, segundo eles, o fim justifica os meios, e como o fim é (ou
parece ser) bom, todos os meios são considerados lícitos e bons, mesmo os maiores
atentados à verdade, à justiça, à caridade.
“Donde se segue que o homem
espiritual vive em uma relativa solidão. A massa não simpatiza com ele se não
lhe é positivamente antipático, mantém pelo menos uma atitude de apatia e
desconfiança em face dele.
“Para o homem espiritual, porém,
o fator “massa” é sobejamente compensado pelo fator “elite” ou mesmo pelo
simples testemunho da sua consciência em plena solidão.
“Existe, aqui na terra, e por
toda a parte, a “comunhão dos santos”, isto é, a misteriosa união de todos os
que conhecem e amam a Deus, a fraternidade branca dos irmãos anônimos formada
pelos solitários pioneiros do Infinito. E eles sabem quE é profundamente
verdadeiro o que o grande Mestre disse: “Onde dois ou três estiverem reunidos
em meu nome, ali estou eu no meio deles”. Dois ou três — porque nunca serão
muitos no mesmo lugar e tempo, os homens cristificados. E mesmo que sejam mais,
nunca deixará de imperar a misteriosa lei da polaridade ou da trindade; dentro
de um grupo maior haverá sempre essa constelação interna de dois ou três. A
grande experiência crística circulará sempre entre dois ou três, e só mediante
essa pequena constelação é que ela se comunicará ao resto do céu estrelado e às
galáxias do universo espiritual.”
Parte 9
“Vós Sois a Luz do Mundo”
“Sabemos, em nossos dias, que a
luz cósmica, não focalizada — o “c” da conhecida fórmula einsteiniana, E = mc2
— é a base e, por assim dizer, a matéria-prima de todas as coisas do mundo
material e astral. Os elementos da química, desde o mais simples até ao mais
complexo, são filhos da luz invisível, a qual quando condensada em diversos
graus, produz os elementos, e destes são feitas todas as coisas do mundo.
“Quer dizer que, no plano físico,
a luz é a causa e origem de todas as matérias e forças do universo.
“Ora, o que a luz é no plano
físico, isto é Deus na ordem metafísica ou espiritual do cosmos. A luz física é
o grande símbolo desse simbolizado metafísico.
“A luz é a única coisa incapaz de
ser contaminada, porque a sua vibração é máxima, que não é afetada por nenhuma
vibração inferior.
“Todas as coisas do mundo são
lucigênitas, e sua íntima essência é luz ou lucidez. E tanto mais
incontaminável é uma coisa quanto mais lúcida.
“Toda a tarefa da
espiritualização do homem consiste em que ele faça a sua existência humana tão
pura e luminosa como a sua essência divina — que essencialize toda a sua
existência.
“A lucidez ou luminosidade
consiste na intensi dade da nossa consciência divina. No plano da ideologia
dualista, em que se move quase toda a teologia e filosofia do ocidente cristão,
é difícil o homem convencer-se definitivamente de que a íntima essência do seu
próprio ser seja idêntica à essência divina.”
Diz, pois, o divino Mestre:
“Vós sois a luz do mundo... Não
pode permanecer oculta uma cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma
lampada e se põe debaixo do alqueire, mas sim sobre o candelabro para que
alumie a todos os que estão na casa. Assim brilhe a vossa luz perante os homens
para que vejam as vossas boas obras —e glorifiquem a vosso Pai que está nos
céus”.
“O homem realmente cristificado
não deve ocultar-se debaixo do alqueire do anonimato, mas brilhar no candelabro
da mais larga publicidade —deve ser até como uma cidade ou um farol no alto de
um monte, para que o mundo inteiro veja os fulgores dessa luz e por ela oriente
a sua vida.
“É opinião assaz comum entre os
inexperientes que o homem espiritual deva evitar a publicidade e procurar o
mais possível a obscuridade da solidão e do anonimato, a fim de não perder a
sua sacralidade e cair vítima da profanidade. E, de fato, essa solidão e esse
anonimato são necessários, embora num sen tido diferente daquele que os
profanos supõem.
O ego físico-mental do homem
comum deve desaparecer no anonimato, e o seu Eu divino deve viver em profunda
solidão. O homem espiritual deve ser profundamente solitário com Deus, para que
possa ser vastamente solidário com todas as creaturas de Deus: assim não há
perigo de profanação.
Ai daquele que perder a sua
silenciosa sacrali dade em Deus! De nada lhe servirá a sua ruidosa
sociabilidade com os homens e o mundo. A profana sociedade tem de ser fecundada
pela mística sacrali dade para que resulte em fecunda solidariedade.
“Em suas relações com Deus é todo
homem profundamente só e solitário; ninguém o pode acompanhar a essas alturas
e profundezas, envoltas em eterno silêncio. Ninguém poderá saber jamais o que
se passou entre a alma e Deus, nas silenciosas alturas do Himalaia ou na
taciturna vastidão do Saara onde se dá esse encontro entre Deus e a alma
humana. A experiência mística se dá para além das barreiras do tempo e do
espaço, no anonimato do “terceiro céu”, e por isso é essencialmente
intransferível e incomunicável; o que é dito à alma, nessa luminosa escuridão,
são “ditos indizíveis”.
“Essa solidão vertical é necessária
e não pode jamais ser substituida pela sociedade horizontal. Esse santuário
íntimo do homem é indevassável; nem as relações mais íntimas, de pai a filho,
de mãe e filha, de esposo a esposa, de amigo a amigo, podem desvendar esse
mistério. Onde não existe e persiste essa solidão cósmica, esse profundo
silêncio metafísico , esse indevassável anonimato místico entre a alma e Deus,
toda a publicidade é um perigo e uma profanação, é uma apostasia e uma
infidelidade cometida contra a sacralidade do Eu divino. O homem que não possua
suficiente fidelidade a seu Eu divino não deve arriscar-se à publicidade; não
deve colocar-se no alto do candelabro ou no cume do monte; é preferível que
fique debaixo do alqueire ou no fundo do vale, onde não há perigo de quedas
catastróficas. Quanto mais alto o homem está, mais profundamente poderá cair ,
se essa altura lhe der vertigens.
“O perigo da vertigem vem da
ilusão de que essa sublime posição seja obra do seu ego personal, vem do erro
fatal de que a pessoa humana tenha creado essa glória no alto do candelabro ou
no cume do monte.
“Duas vezes, diz um grande
iniciado oriental, Brahman se sorri do homem, da primeira vez quando o homem
afirma: “Eu faço isto, eu faço aquilo”, e da segunda vez quando o homem diz:
“Eu vou morrer”.
“Ambas às vezes o homem confunde
o seu verdadeiro Eu com o seu pseudo-eu. Quando o homem pensa que é ele — seu
ego personal — que fez isto ou aquilo, e não o “pai dos céus” — o seu Eu
divino; quando o homem pensa que o seu eterno e imortal Eu divino vai morrer —
então se revela totalmente analfabeto no conhecimento de si mesmo.
“Onde há ilusão há possibilidade
de queda. Só quando a totalidade da ilusão cedeu à totalidade da verdade é que
há segurança absoluta.
“Tem-se dito que a experiência
mística torna o homem orgulhoso e desprezador de seus semelhantes, os
“profanos” lá embaixo. Quem assim pensa e fala não sabe o que quer dizer
experiência mística. Esse orgulho é possível no caso da pseudomística, quando o
homem atribui a sua espiritualidade ao mérito de seu ego personal, ignorando
que “todo o dom perfeito vem de cima, do Pai das luzes”, e que a iluminação
espiritual é obra da graça divina. Mas, ninguém pode orgulhar-se daquilo que é
de Deus, só se pode envaidecer de algo que seja do seu ego.
“Um jovem ocultista britânico
perguntou a um grande místico da Índia se achava que ele, o ocultista, poderia,
um dia, chegar a fazer as “obras de poder”, chamadas “milagres”, que Jesus
fazia; ao que o iniciado lhe respondeu calmamente: “Pode, sim, contanto que você
não creia que é você que fez essas obras."
“Quem atribui a seu pequeno ego
humano qualquer obra espiritual está no erro; o erro gera o orgulho, e o
orgulho prepara a queda. Mas quem compreendeu definitivamente que nenhum efeito
espiritual pode provir de uma causa material ou mental, esse está na verdade, e
a verdade o libertará de qualquer ilusão e perigo de queda.
“Quando Jesus diz a seus
discípulos que devem colocar a sua luz no candelabro ou no alto do monte supõe
ele que esses homens possam ultrapassar o estágio da Ilusão sobre si mesmos e
adquirir plena clareza e certeza sobre a causa real de todos os efeitos
espirituais.
“Não existe, no mundo físico,
nenhum elemento incontaminável exceto a luz. Todas as outras coisas aceitam
impureza.
“É esta, sem dúvida a mais pura
glória do homem crístíco, poder ser puro no meio dos impuros e das impurezas em
derredor; purificar as impurezas sem se contaminar com essas impurezas É o
máximo de invulnerabilidade.
“Nenhum homem purificado pelo
conhecimento da verdade sobre si mesmo se sente ofendido por atos, palavras ou
opiniões injustas dos outros, porque sabe que essas ofensas não atingem o seu
verdadeiro Eu divino, senão apenas o seu falso eu humano.
“Esta luz divina que em mim está
deve ser colo cada no candelabro como uma lâmpada, no alto do monte como um
farol. Quem é remido do seu falso eu pode ajudar outros para se redimirem
também. Por isso, deve ele fazer brilhar a sua luz, porque essa luz é a luz de
Deus que brilha através do homem, como através de um límpido cristal, no caso
que o homem renuncie à opacidade do seu egoísmo e aceite a transparência do
amor.”
Huberto Rohden
fonte:horacosmica.blogspot.com.br
Honre o Divino em você, honrando o Divino nos outros.
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